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sábado, 21 de julho de 2007
a stroke of luck or a gift from god?
Finalmente:

O começo
Fui de carro até Londrina (Cambé, na verdade) na quarta-feira. Viagem sem problemas, chegada sem problemas. Fiquei na casa nova do meu pai, toda bonitona. Ainda não conhecia. Acordei às 4:30 do dia seguinte pra irmos até a rodoviária de Londrina. O ônibus, linha Porto Velho - Criciúma (!!!), estava previsto para as 5:25. Saiu da rodoviária às 6:10. Paciência.

Poltrona 9. O ônibus todo embaçado, com água escorrendo do lado de dentro das janelas e ar pesado, senti nojinho. Ao chegar ao meu assento, percebo que estava entulhado de bagagens. 3 malas, jaqueta e pacotinho de pipoca doce. Mau sinal. Joguei tudo para o assento ao lado e sentei.

Mal acabei de sentar e vi a pessoa que ficaria ao o meu lado até Criciúma: o tiozinho. E ele merece um subcapítulo especial.

O tiozinho
Não consegui determinar a idade do tiozinho: devia ter passado dos 50, mas vai saber. Moreno escuro, bigodinho safado, olhos injetados, cabelo preto baixinho, nariz de bolinha, havaianas nos pés e fedor. Muito fedor. Fedor esquisito, de queijinho estragando. Movimentos extremamente lentos, a la bicho-preguiça.

A princípio nem olhei na cara dele, estava irritada com as bagagens no meu lugar. Mas com o passar dos minutos, das horas e dos frios, foi impossível ignorar a sua presença e cheiro desagradáveis. Ele invadia meu espaço com aquele cotovelo intrometido relando em mim. Ele não parava quieto. Ele era estranho. Ele tirava meleca do nariz e limpava na própria coberta. Falava coisas incompreensíveis e eu só acenava com a cabeça. Se ele tivesse dito "pega eu" minha resposta teria sido afirmativa: não dava pra entender nada. Medo.

Ao longo da viagem descobri que ele embarcou em Rondônia, e que todas aquelas horas dentro do ônibus o estavam deixando (mais) doido. Não parava de falar sozinho, de encher o saco do motorista pelo atraso, de encher o saco dos outros passageiros. Falaremos mais dele adiante.

A viagem - que foi quase uma novela mesmo
O ônibus parou em todos os postes e cidadezinhas possíveis, e em cada uma delas demorava muito mais do que deveria. Não era tempo apenas pra embarque e desembarque, era tempo pra esvaziar o bagageiro (que estava lotado até o teto) e torná-lo a encher umas 10 vezes.

O tiozinho desceu em Ponta Grossa e fiquei aliviada, finalmente poderia esticar as pernas e respirar em paz. 5 minutos se passaram e ele voltou: "ah, não sei mais onde vou, só sei que estou na estrada". Medo de novo.

Em Curitiba foi o cúmulo. Além de ficarmos milênios esperando na rodoviária, ficamos mais de uma hora na garagem da viação para que limpassem o ônibus e abastecessem. Frio de 9°C, garoa, irritação. Irritação essa que só aumentava com uma menininha que não parava de fazer birra e chorar alto a cada pequena intervenção da mãe. Estranheza ao reparar melhor nos passageiros, a maioria parecia vinda de filmes de faroeste. Só faltou a palhinha sendo mastigada no canto da boca.

Rodoviárias de Joinville, Camboriú, Itajaí(?), Florianópolis. Chuva terrível durante todo o trajeto, mais minutos e minutos de espera na capital catarinense. Outras X cidades, Laguna, Tubarão. Não aguentava mais. Se eu estava a ponto de surtar, o tiozinho já tinha chegado lá: começou a chamar por pessoas que não estavam no ônibus. Falava "ah, mas que avião mais demorado". "Ô Ivete, vai demorar muito pra chegar?". "Será que o motorista vai levar a gente pra casa?", ao perceber que havia só nós dois e mais um homem no ônibus. E por aí afora.

Um pouco antes de chegarmos a Criciúma, me perguntou se eu tinha parentes lá. Respondi que não. "Então onde você vai dormir?". 'No hotel' (olhando fixamente pro banco à minha frente, fingindo que era autista e que por isso não conseguia manter contato visual). "Aaaah, mas hotel é muito caro! Eles cobram 15 reais por uma cama! Fica lá em casa, é apertadinha mas a gente dá um jeito". 'Não, não precisa...'. "Viu, e você? (referindo-se ao outro homem) Tem onde ficar? Pode dormir lá em casa também!". Etc, etc. O homem era de Criciúma e perguntou onde o tiozinho morava: "Sabe o pipoqueiro? É lá perto. O pipoqueiro é o Girso, é com ele que eu moro". Céus.

Chegamos finalmente ao nosso destino com 3 horas e meia de atraso, à meia-noite e meia. Frio, ruas desertas e chuva fraca. Perguntei ao homem se ele sabia onde ficava a rua Anita Garibaldi; disse que não, que perguntasse aos taxistas do outro lado. Respondi que iria andando, tinha uma idéia de onde ficava. Fui caminhando e começaram a gritar que os taxistas eram do outro lado. Olhei de soslaio com cara feia, abanei a mão e fui embora. Não queria passar nem mais um minuto ali.

Cheguei ao hotel com facilidade. Quarto 911, com a cama desarrumada e lixo por todo lado. Troco de quarto, agora o 312. Tudo OK, aviso meus pais que cheguei, fumo um cigarro e não vejo mais nada.


Criciúma - 1° dia
Acordei relativamente cedo e tomei banho naquele banheiro que cheirava a fossa. Olhei pela janela:



Hum, nada convidativo. Mas era cedo ainda, resolvi andar um pouco pela cidade. Afinal, eu tinha um mapa do centro. Me achei muito prevenida, apesar de não ter planejado nada além disso pra essa viagem. Auto-orgulhinho.

Ha... o mapa só serviu pra adubo. Estava incompleto e as ruas eram absurdamente confusas. Pra quem está acostumada com Maringá, de ruas retinhas e organizadas, Criciúma é o inferno materializado. Perdi as esperanças de encontrar o shopping e andei a esmo.

Chegando à praça Nereu Ramos, a maior e mais movimentada da cidade, de repente topei com o Shopping Della Giustina. Oh! Inconscientemente fiz o caminho exato pra chegar até ele. Fiquei emocionada. Entrei e fiquei olhando vitrines, com o detalhe que eu sou meio homem pra vê-las: dou uma passada de olhos e passo para a próxima. Não tenho/tive muita paciência, shoppings são todos iguais. Só me detive numa livraria e numa loja que vendia pôsters do Romero Britto.

Deu a hora do almoço e me encaminhei à praça de alimentação enorme e vazia. Pedi um lanche (a primeira refeição relativamente decente em um dia e meio) e, à terceira batatinha comida, brotou gente. A princípio pré-adolescentes em bandos, arrastando mesas e falando alto, depois adultos, famílias e tudo o mais. Havia fila de espera para as mesas. Fiquei abismada.

Tratei de sair logo e andar mais um pouco a esmo. De repente vi uma entrada subterrânea, com montes de gente circulando. Resolvi entrar também: era o subsolo da estação central de ônibus. Cheia de lojinhas, salões de beleza, bancas de jornal, muito chique. Escadas rolantes pra ir até a plataforma, etc, me senti em um metrô - e eu adoro metrôs. A infra-estrutura é realmente impressionante no que concerne aos transportes, tudo muito fácil, rápido e organizado pra uma cidade de 200 mil habitantes.

Enrolei um pouco na plataforma e peguei o ônibus até a UNESC. Há uma outra estação de ônibus integrada à universidade, com ônibus a cada 5 minutos. Uma maravilha para estúpidos geográficos como eu.

Chegando à universidade esperava que tivesse palpitações e que chovesse confetes imaginários quando a visse. Que tivesse mil intuições e que tocassem na minha cabeça músicas bonitas que remetessem à vitória (sem We Are the Champions, ok), que um arco-íris de energia surgisse. Mas não. Andei como se já conhecesse tudo aquilo e estivesse voltando de férias. Estranho.

Tinha chegado muito cedo e fiquei sentada em uma das cantinas, acompanhando o não-movimento que existia lá. Uma mulher passou apressada por mim, só vi as suas costas, mas tinha certeza de que era a professora com quem fui falar. Sabe-se lá por quê, mas sabia. Mais alguns minutos e comprovei que tinha razão: era ela mesma.

A sala era apertada e dividida em dois. A bolsista que trabalha lá me atendeu primeiro, depois ouvi, vindo dos fundos "você é a moça de Maringá?". Oi, olá, como foi de viagem, e já fui logo mostrando meu trabalho. Fui lá só pra isso, por que deveria enrolar? Não é mesmo, minha gente? Hihi.

A professora, Teresinha, me explicou os grupos de pesquisa, projetos e outros pormenores que não devem interessá-los muito. Me apresentou a dezenas de pessoas como "a candidata ao mestrado que veio de Maringá", do vice-reitor a alunos. Todos, absolutamente todos, foram simpáticos ao extremo sem serem afetados. Sem cerimônias, sem formalidades, apenas respeito e cortesia. Impossível não se encantar com isso.

A professora me convidou novamente para ficar na casa dela, e até pareceu irritada por eu não ter ligado quando cheguei. Aceitei, fomos buscar a mala no hotel, e rumamos até o apartamento dela.

Fui recebida com toalha, roupão e pantufas. Vinho importado em taças de cristal e sopa servida em cumbuquinhas de porcelana ainda não estreadas. Simpatia da gatinha persa, pequenina e rajada de preto e caramelo. Sofá-cama de couro com milhões de cobertas cheirosas. Como reagir a tudo isso?

Aliás, é necessário ilustrar: se vocês acham que eu tenho cara de brava, a profª Teresinha dá de goleada humilhante em mim. Ela parece rude e exigente em demasia à primeira vista. Mas não é (ou não foi), muito pelo contrário.


Criciúma - 2° dia
Saímos na manhã fria e cheia de neblina. Passeamos pelo centro para que a professora comprasse algumas coisas de que precisava e me maravilhei com a quantidade de lojas de roupas baratas e bonitas. Paramos pra tomar café e comer um pão de queijo, ela não me deixou pagar. Paramos pra almoçar em outro shopping, ela não me deixou pagar. Já estava ficando muito sem jeito com essa situação.

Compras no supermercado, passada na rodoviária pra marcar minha passagem: segunda às 12:30 (era sábado). Janta na casa dela, com a filha dela (e aí ouvi "agora posso me dar ao luxo de escolher orientandos; só vou dar carta de aceite pra você e pra outro senhor"). Assistir TV na cama dela, já que não havia uma na sala.

Toda essa intimidade repentina, todos aqueles mimos e atenção, me deixaram uma sensação muito estranha. Era como se estivesse abusando da hospitalidade. É claro que o que tinha acontecido até aquele momento foi muito mais do que eu poderia ter imaginado no melhor dos meus devaneios... mas a surpresa foi grande demais. Era como se eu tivesse ganhado um presente tão grande, mas tão grande, que não soubesse como reagir. Algo que eu sempre quis, mas que achei que nunca conseguiria.

Então chorei, um choro silencioso e de poucas lágrimas, e tratei de dormir logo.


Criciúma - 3° dia
arroio do silva - scAcordamos relativamente cedo, o dia estava lindo. Fomos de carro até a casa de praia dela, no Arroio do Silva, ao som de Freddie Mercury. Tudo muito agradável e sem percalços; lugar lindo e simples, frio e deserto. Almoçamos por lá e novamente ela pagou a conta...

Aliás, o dono do restaurante era um personagem digno de nota. Claramente descendente de árabes, barrigudo, de cílios grandes e pêlos enormes no nariz (na parte de fora, não nas narinas!), tinha perdido o irmão há 15 dias. A dor que ele expressava pelos olhos ao contar como o irmão morreu era tão grande, tão profunda, que apesar de nunca tê-lo visto antes na vida tive vontade de abraçá-lo e dizer "sinto muito". Tão triste...

foz do rio araranguáHora da sesta, depois rumar até o Morro dos Conventos, praia vizinha. É maravilhosa. Há um farol de onde se tem uma visão panorâmica de tudo: as casas exclusivamente residenciais (contei apenas 3 para aluguel), as praias limpas e de águas muito azuis, o encontro do rio Araranguá e suas ilhas com o mar, a falésia que fazia parte da África em tempos remotos. Ficaria o resto do dia lá, só contemplando a paisagem. Mas era preciso voltar.

A caminho de Criciúma conversamos sobre projetos, bolsas de estudos, Clarice Lispector, Dostoievski e Nietzsche (do qual nunca li nada), o que me fez muito contente por ter escolhido a orientadora certa. E, óbvio: por também ter sido escolhida por ela.

Jantamos, conversamos sobre o meu projeto, etc, dormir.


Criciúma - 4° dia
A professora tinha compromisso na UNESC pela manhã, eu fiquei no apartamento. Acordei mais tarde, arrumei minhas coisas e comecei a ler o livro do Kafka que tinha levado. Depois de 10 páginas ela chegou com um calhamaço de xerox pra mim, "agora você só não passa nesse mestrado se não quiser". Explicou sobre o que tratava cada texto e eu atingi o ápice da sem-gracisse. Devo ter ficado vermelha, o que é bem raro. E aí arrematou com um "nunca dei tanta atenção a um candidato ao mestrado quanto dei pra você. Nem sei bem por quê, talvez porque você veio de longe... intuição mesmo".

Almoçamos, me despedi da empregada e da gatinha persa (que se derreteu toda comigo) e esperei o táxi. Tinha pensado em milhões de agradecimentos pra dizer à professora, mas tudo o que saiu na despedida foi um muito obrigada enquanto segurava sua mão.


A volta
O ônibus saiu pontualmente da rodoviária. Estava quase vazio e assim permaneceu por todo o trajeto. Muita chuva, comida de rodoviária que me fez mal, dor de cabeça e frio. Chegou em Londrina com 20 minutos de atraso.

Voltei para a casa do meu pai, passei mais um dia lá e vim pra Maringá. Peguei vento na estrada como nunca tinha pegado, meu carro saracoteava pra lá e pra cá o tempo inteiro. Mas cheguei bem, feliz e cheia de coisas com que me ocupar agora. É hora de arregaçar as mangas.



 
Joyde G. M.
12/08/1984
Bióloga


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